INTRODUÇÃO
As neurociências investigam o espaço neural – criado pela interação dos sentidos neurofisiológicos com o meio externo – e promovem esforços de apreensão e representação dos fenômenos cerebrais. Elas são divididas em cinco disciplinas cujo objeto se relaciona ao conjunto de conhecimentos sobre o sistema nervoso, e por isso se retroalimentam. Essas disciplinas são:
1) Neurociência molecular (também chamada de neuroquímica)
2) Neurociência celular (denominada também neurobiologia)
3) Neurociência sistêmica (subdividida em neuroanatomia e neurofisiologia)
4) Neurociência comportamental (às vezes chamada de psicobiologia)
5) Neurociência cognitiva, que vai além do que se chama neuropsicologia, uma vez que se desdobra em áreas como neueducação e neuroética, por exemplo.
As neurociências têm nos permitido conhecer como o cérebro funciona, trazendo revelações até pouco tempo impensáveis. Esse estado de coisas das tecnologias aplicadas às neurociências fez o ser humano entrar na era da Neurocultura, tempo em que todos os conhecimentos serão, de alguma forma, revisados a partir das descobertas do funcionamento do sistema nervoso, tanto o central quanto o periférico.
As novas percepções sobre o humano tornam imperativo considerar que o ser humano é um aparato biológico imerso na cultura.
Compreender essa unidade de humano nos permite ultrapassar o cartesianismo dualista e conceber formas de conhecimento mais compatíveis com a complexidade das condições existenciais.
Quando se trata de políticas públicas, as quais dependem do funcionamento das instituições, das suas leis, dos seus estímulos e das suas sanções, o comportamento humano está sempre presente. E o Direito, quando concebido, pretende exatamente modular o comportamento de homens e mulheres para que possam interagir no âmbito das políticas institucionalmente estimuladas.
Considerando essa realidade, estamos criando essa plataforma, para tratar de Direito & Políticas Públicas nas perspectivas das neurociências e das propostas de sustentabilidade.
Ulrike Meinhof fundou em 1970, com amigos, um grupo terrorista denominado Fração do Exército Vermelho, também chamado Grupo Baader-Meinhof, que inspirou a música Baader-Meinhof Blues, do Legião Urbana. Era uma célula terrorista que praticou, na Alemanha Ocidental, atentados terroristas e assaltos a bancos.
Antes de se filiar a criminosos, Ulrike era uma jornalista exemplar. Algo a levou a se tornar uma radical antissistema capaz de atos de enorme violência. Ela foi encontrada morta em sua cela, talvez num ato suicida. Soube-se depois que ela havia feito, em 1962, uma cirurgia para retirar um tumor do cérebro. A necrópsia revelou que restos daquele tumor e mesmo material da cicatrização estavam afetando de uma parte do sistema límbico chamada amígdala, responsável pelas emoções.
Em 1966, Charles Whitman - um pacato e bem-sucedido engenheiro, casado, detentor de um QI que o colocava na faixa dos 1% mais inteligentes – tornou-se o “Atirador da Torre do Texas”. Depois de matar esposa e mãe, Charles se posicionou no alto de uma torre do campus da Universidade do Texas e matou 17 pessoas, ferindo 32. Meses antes, ele que fora escoteiro e participava do coral da igreja, tinha visitado médicos relatando o surgimento de enxaqueca e impulsos estranhos e violentos. Ele havia deixado bilhetes ao lado dos corpos da esposa e da mãe; neles, declarava seu amor, mas também os sentimentos confusos que vivia. Em um dos bilhetes, pedia que todo o seu dinheiro fosse doado para uma fundação de saúde mental e também que fosse feita autópsia de seu cérebro. Ele devia estar desconfiado de algo, pois a autópsia revelou a presença de um glioblastoma pressionando a sua amígdala.
Charles Whitman tinha um histórico de traumas domésticos e também de agressão à esposa.
Após 3 anos de convulsões diárias – às vezes dezenas por dia – a família do pequeno Matthew aceitou o diagnóstico de encefalite de Rasmussen, decidiu ouvir as recomendações de neurologistas do Johns Hopkins e submeteu seu filho a uma hemisferectomia, a remoção cirúrgica de toda uma metade do cérebro. Matthew cresceu e, mesmo com um cérebro pela metade, conseguiu se desenvolver com relativa normalidade: terminou o ensino médio, ingressou e desistiu da universidade e desempenha funções profissionais numa loja de ferragens.
Uma mulher cometeu infanticídio: dias após o nascimento de sua filha, ela a sufoca até a morte. Seus advogados pedem que se façam diversos exames (sangue, hormônios e outros marcadores) e notam que as suas taxas de ocitocina, importante hormônio para o desenvolvimento das relações empáticas e dos bons afetos, estavam muito abaixo do normal. Resolveram, então, alegar que ela não pode ser responsabilizada por seu ato criminoso porque sua estado neuroquímico estava alterado e isso a compeliu àquela atitude.
Esses são alguns casos que tornam obrigatório que o Direito e suas formas considerem as neurociências, tanto na formulação de políticas punitivas de comportamentos antissociais quanto nos estímulos (nudges) a comportamentos pró-sociais.
Dado o avanço da técnica, não é mais cientificamente aceitável que esses esforços de organização social a partir do Direito e das políticas públicas sejam empreendidos sem que se considere o cérebro e sua dinâmica diante dos fenômenos.